Palestra

Beltrame: "A Segurança precisa de mudança na Constituição"

A Câmara Municipal recebeu hoje o secretário de Segurança do Rio

  • Reunião do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano, com palestra do Secretário de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Na foto: Secretário de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame
    José Mariano Beltrame pediu maior integração entre poderes e a comunidade (Foto: Tonico Alvares/CMPA)
  • Reunião do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano, com palestra do Secretário de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame
    Presidente Cassio Trogildo falou sobre o papel do Comitê Permanente (Foto: Esteban Duarte/CMPA)

O secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, participou da II Reunião do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano nesta segunda-feira (4/7), no Auditório Ana Terra, da Câmara Municipal de Porto Alegre. A convite do presidente do Legislativo, vereador Cassio Trogildo (PTB), Beltrame, gaúcho de Santa Maria e há 10 anos no cargo de secretário, disse que segurança é muitos mais do que polícia, ressaltou a necessidade de integração entre os poderes públicos e as comunidades para prevenir e combater a violência e defendeu mudança na Constituição Federal com o objetivo de garantir recursos da União específicos para a segurança.

Na Constituição Federal de 1988, segundo Beltrame, os legisladores cometeram “um grande erro” ao definirem a segurança pública como dever somente dos Estados, eximindo a União de responsabilidade nessa área. “Como o Brasil vinha dos anos de repressão, pensaram: ‘É polícia, deixa pra lá, não queremos”, afirmou. “Mas os Estados agiram da mesma forma, não dando a devida importância ao assunto.” Segundo ele, confundir segurança com polícia foi outro grande equívoco. “O capítulo sobre segurança na Constituição fala de polícia do início ao fim, mas a polícia é parte da segurança, não a solução”, lamentou. “Ela está esgotada, pelo menos no Rio. Precisaríamos de verdadeiros exércitos de policiais para garantir total segurança à população.”

Falta de repasses exclusivos

A falta de repasses do governo federal exclusivos para a segurança agrava mais ainda a situação, a seu ver. “Se educação e saúde têm percentual financeiro constitucional, por que a segurança não? Será que não está na hora de revermos o capítulo sobre segurança?”, indagou, lembrando que, passados 28 anos da Carta Magna, esse capítulo nem sequer foi regulamentado. Como atestou, a manutenção das instituições policiais é caríssima. “Não há condições de prestar o serviço que a sociedade quer.” De acordo com Beltrame, por ano pelo menos 500 policiais pedem aposentadoria no Rio, o que exigiria a realização de concursos para repor o efetivo. “O problema é que a conta nunca vai fechar porque os recursos que chegam acabam indo pra outras demandas”, disse.

Planejamento, organização, integração entre as esferas de poderes e engajamento das comunidades também são pontos-chave na luta por mais segurança urbana, conforme Beltrame. “Como será Porto Alegre em 2020? Vamos pensar nisso ou vamos deixar a bangu, como se diz. Vamos depender só de chamar a polícia?”, afirmou, criticando a falta de planejamento e de diálogo entre União, Estados e Municípios.

O secretário também criticou soluções urbanas consideradas eleitoreiras. “Na Rocinha, por exemplo, vivem 100 mil habitantes, mas tem só duas ruas; o resto são becos. Como é que se patrulha isso? O problema é que, à custa de voto, deixaram criar. Aí, na hora do problema, cadê a polícia?”, lamentou. “Não eximo as polícias de suas funções, mas precisamos pensar nisso antes de criar um plano de segurança. A questão era habitacional, mas daí homologaram a desordem e, em consequência, veio a insegurança.”

Revisão do regime de progressão

Na palestra, não faltaram críticas ao Judiciário e ao sistema penitenciário. Na opinião de Beltrame, é urgente rever o atual regime de progressão de pena para os presos. “Tem gente que já foi presa pelo menos três vezes nas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), e o traficante  Fat Family, por exemplo, já havia sido preso em 2014”, disse. Beltrame contou que mandou 120 presos para prisões federais, porque, na sua opinião, os presídios estaduais são verdadeiros seminários de bandidos. “O problema é também de legislação. Não quero encarcerar as pessoas, mas como está não dá mais. Temos de nos debruçar sobre isso. Não podemos deixar na rua”, declarou.

Sobre a profusão de adolescentes cometendo crimes, Beltrame disse: “Por lei ele tem que se recuperar no seio da sociedade, mas quem controla isso? Em 2015, apreendemos 10 mil menores, e quem está controlando esses jovens é a polícia, que não deveria controlar. Essa é uma tarefa dos municípios, da assistência social. E quanto se gastou na recuperação desses jovens?”, questionou, acrescentando que o rapaz que matou um ciclista na Lagoa Rodrigo de Freitas, por exemplo, já tinha 16 passagens pela polícia.

Assistência social

O secretário prosseguiu: “Então, segurança não é só viatura, colete, efetivo, mas também um bom serviço de assistência social, um bom sistema prisional, que recupere o preso, entre outros fatores. Nossas polícias estão enxugando gelo. O sistema faliu, e precisamos mexer nisso de maneira forte. Uma licitação para a compra de equipamentos leva 90 dias, mas os bandidos compram um fuzil com rapidez. Assim, eles vão continuar mais armados. Hoje existe pena de morte no Brasil, e a sentença é do bandido”.

Para Beltrame, a situação é muito difícil, mas é preciso agir. Segundo ele, a iniciativa da Câmara de Porto Alegre de criar o Comitê de Segurança é elogiável, por estar debatendo e buscando soluções. “Precisamos de propostas concretas, de pragmatismo forte, porque as provocações podem gerar soluções”, disse. “As UPPS, por exemplo, não saíram de nenhum manual, mas de discussões com instituições da sociedade”, afirmou. Beltrame disse que há iniciativas da própria comunidade, pequenas, mas que estão funcionando e poderiam ser replicadas. Sobre as UPPs, ainda informou que elas serviram para represar o crime, para “anestesiar um paciente que necessita de uma cirurgia, que ainda não foi feita”. Também enfatizou que União, Estados e Municípios precisam trabalhar juntos.

Ação integrada

O presidente da Câmara, Cassio Trogildo (PTB), agradeceu ao secretário do Rio por falar no Comitê de Segurança Metropolitano, frisando que este é um movimento que busca alternativas, cooperação e integração entre sociedade e poderes de forma a alcançar bons resultados. “O Município não pode assumir mais atribuições, mas pode trabalhar integrado”, disse. “Aqui várias comunidades estão fortemente mobilizadas.”

Antes da chegada de Beltrame ao evento, Trogildo lembrou que a segurança é hoje o principal problema da população. “Todo dia há crimes brutais”, lamentou, citando vários casos recentes de assassinato ocorridos na Capital. “E não podemos nos conformar, achar que é comum matar ou morrer”, afirmou. “Desde que foi criado, há três meses, o Comitê Permanente de Segurança Metropolitano tem como objetivo discutir o tema, traçar um diagnóstico e presentar um plano integrado para toda a região.” 

Além de reunir o Parlamento Metropolitano da Grande Porto Alegre, prefeituras, Câmaras Municipais e universidades gaúchas, o Comitê congrega parceiros como o Fórum Latino-Americano de Defesa do Consumidor (FEDC), a Associação dos Juízes do RS (Ajuris), a Associação dos Delegados de Polícia do RS (Asdep), a Associação dos Comissários de Polícia (ACP), a Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (Abamf) e a Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e Bombeiros do RS (ASSTBM).

Autoridades e entidades

Diversas autoridades participaram da reunião, como o prefeito José Fortunati, os secretários da Segurança do Estado e do Município, representantes de entidades ligadas à segurança, da Polícia Civil, da Brigada Militar, da Guarda Municipal, da Assembleia Legislativa, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Agergs, entre outras.

Também estiveram presentes os vereadores Mauro Pinheiro (Rede), Mendes Ribeiro (PMDB), Valter Nagelstein (PMDB), Lourdes Sprenger (PMDB), Sofia Cavedon (PT), Delegado Cleiton (PDT), Claudio Janta (SD), João Carlos Nedel (PP) e o vereador licenciado Alberto Kopittke, hoje secretário de Segurança de Canoas.          

Perfil do secretário

Nascido em 13 de maio de 1957 em Santa Maria (RS), José Mariano Benincá Beltrame é secretário de Segurança do Rio de Janeiro há 10 anos. É formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Administração de Empresas e Administração Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Especializou-se em Inteligência Estratégica na Universidade Salgado de Oliveira e na Escola Superior de Guerra. Também concluiu curso de Inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública e de Análise de Dados de Inteligência Policial/Sistema Guardião.

Em 1981, Beltrame ingressou no Departamento de Polícia Federal como agente, principalmente, na área de repressão a entorpecentes. Exerceu funções no setor de inteligência, combatendo o crime organizado em vários Estados brasileiros. Também ministrou aulas e palestras no Curso de Pós-graduação em Inteligência e Segurança Pública da Universidade Federal de Mato Grosso. Na Superintendência da Polícia Federal no Rio, como delegado da PF, foi coordenador da Missão Suporte, chefe do Serviço de Inteligência e da Interpol.

Beltrame ajudou a idealizar o projeto de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), aplicadas no Rio. Em novembro de 2010, participou da articulação da operação de tomada das favelas da Vila Cruzeiro, no Rio, e, na sequência, da invasão do Complexo do Alemão, também na capital fluminense. Nesta operação, foi apreendida grande quantidade de maconha, cocaína, crack, armamentos pesados, munições, carros e motos roubados. Diversos chefes do narcotráfico foram presos.

(Currículo de Beltrame: Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro)

Texto: Claudete Barcellos (reg. prof. 6481)
Edição: Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)