Audiência Pública

Deficiência de políticas públicas para migrantes é uma realidade em Porto Alegre

Audiência Pública para debater a migração no município de Porto Alegre. Na foto, vereador Marcelo Sgarbossa conduz os trabalhos
Vereador Marcelo Sgarbossa (PT) coordenou a reunião (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

A necessidade de que o município invista em políticas públicas de acolhimento, integração e a disponibilidade de um Centro de Referência para Migrantes e Refugiados foram os pontos mais destacados na Audiência Pública (AP) realizada na noite desta segunda-feira (17/6), atividade que marcou a abertura da 34ª Semana do Migrante. Solicitada ao Legislativo da capital pelo Fórum Permanente de Mobilidade Humana (FPMH), a semana transcorre até o próximo dia 23. Durante o período, no dia 20, é celebrado do Dia Mundial da Migração.

Presidida pelo vereador Marcelo Sgarbossa (PT), a AP teve como objetivo a interlocução das entidades representativas das etnias que fazem parte da nova leva de migração ao território gaúcho, em especial à capital, e das organizações da sociedade civil, que já realizam um trabalho para garantir as mínimas condições de vida para quem chega à Porto Alegre nessas condições, com o poder público municipal. Sgarbossa cobrou maior efetividade da prefeitura na criação de políticas de apoio ao migrante e refugiado. Além de Sgarbossa, participaram da AP os vereadores Aldacir Oliboni (PT) e Alvoni Medina (PRB), apoiadores de entidades que atuam em defesa dos migrantes e refugiados na capital.

Plano

De acordo com Mário Fuentes, presidente do FPMH, é necessário que o governo agilize a implantação de um Plano Municipal que compreenda quatro pilares: estruturas de acolhimento, fundo municipal, centro de referência e um conselho de migrações. “Com isso acredito que vamos conseguir ter um controle melhor e avançar”. Ele afirma que hoje as falhas no processo de acolhimento “deixa famílias em situação precária, sem acompanhamento do poder público” e que “não fosse a ação das organizações como a Cáritas, Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações (Cibai), o Comitê Municipal de Atenção aos Imigrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas (Comirat/POA) e de outros novos atores como as igrejas evangélicas a situação estaria em total descontrole.

Elton Bozzeto, também representando o FPMH, disse que a luta é antiga e cada vez mais necessária diante dos números. Lembrou que existem 261 milhões de pessoas fora de suas pátrias, “o que exige de cada nação e da sociedade para onde elas acorrem a coragem para acolher e proteger”; que são mais de 100 mil migrantes vivendo no RS, sendo 15 mil somente do último fluxo migratório.

O representante do FPNH destacou o trabalho feito por instituições como a Paróquia Santa Clara, na Lomba do Pinheior; que os debates pela criação de um plano municipal de acolhimento ocorrem desde 2011, sem que, entretanto, tenha havido evolução prática até o momento, e que diante do esforço das entidades como o Cibai e a Caritas “é momento da a cidade ser mais proativa e desafiada e ter uma maior participação nesse trabalho humanitário”. Disse, ainda, que os albergues não estão preparados para receber os migrantes, tratando-os com o mesmo olhar dos moradores em situação de rua, “sem que tenham, sequer, um espaço para deixar seus pertences e poder ir em busca de documentos, de emprego e outras necessidades para que possam se integrar à comunidade”. Por fim, ele lamentou o preconceito, seja pela cor da pele ou pela origem, como é o caso dos venezuelanos, e que a falta de uma política simples de integração por parte do município praticamente autoriza essa discriminação.

Centro

Nesse momento, o vereador Marcelo Sgarbossa lembrou que em razão do governo ter aumentado o orçamento em publicidade, de R$ 5 milhões para R$ 37 milhões, é possível que parte desses recursos sejam utilizados em campanhas educativas para que a população seja mais acolhedora. Sgarbossa também lembrou que recentemente o Legislativo aprovou uma lei que permite que o município venda imóveis públicos. “Tivemos acesso a uma lista de 1,4 mil imóveis. Acredito que se olharmos essa relação podemos encontrar um teto que possa ser solicitado para sediar um centro de referência, assim como outros podem servir para moradias populares”, ressaltou.

Para o vereador Aldacir Oliboni (PT) é preciso formar um grupo de trabalho, para, a partir da realização da AP, buscar junto ao município o avanço das políticas necessárias para a garantia das condições mínimas de integração dessas pessoas na vida da cidade. Afirmou que o Centro de Referência é o mínimo do mínimo, um local que garanta a alimentação diária, com um fórum e um conselho, em atuação permanente para buscar e sistematizar o trabalho em parcerias com as organizações da sociedade civil. “É, sim preciso uma responsabilidade mais assídua do poder público”, salientou.

Vulnerabilidade

De acordo com Reginete Bispo, consulesa do Senegal, o momento adquire importância diante da crise das políticas públicas em todo o pais, com 14 milhões de desempregados, o que atinge também os migrantes e refugiados. Disse que o grau de vulnerabilidade aumentou de forma assustadora e que, mesmo diante do fato de o Brasil ter fronteiras abertas e ser reconhecido por acolher e receber migrantes, há a ausência de políticas públicas efetivas para integrá-los à sociedade.  “Aqui em Porto Alegre, em que pese o esforço das entidades, falta ação efetiva do poder público, que começa com a criação de um espaço de acolhimento, específico, equipado com assistência jurídica e psicológica”.

Bispo também lamentou que o debate aconteça há mais de 10 anos e “ainda o poder público ainda se comporte como se fosse uma novidade”. Citou a falta de retorno sobre a situação das 74 famílias de haitianos e senegaleses que foram retirados da Vila Progresso, “sem qualquer ação efetiva até agora por parte do governo”.

A consulesa do Senegal trouxe ainda outro elemento importante ao debate. A falta de compreensão com a atividade comercial de rua. “Queremos retomar esse diálogo. Porto Alegre é uma cidade cosmopolita, mas não tem se comportado como tal”. Ela destacou que o comércio para os senegaleses é mais do que uma opção de renda é um elemento cultural que precisa ser respeitado, lembrando que a maioria são empresários devidamente registrados e que pagam impostos. “Precisamos discutir que esse não é um tema de segurança, mas de cidadania. Não queremos mais ver meninos sendo maltratados e espancados como se fossem criminosos por buscarem uma fonte de sobrevivência em um país com 14 milhões de desempregados”. Por fim, destacou que é necessária uma política urgente para a Saúde, pois devido à falta de acolhimento leva leva os migrantes e refugiados a casos de doenças físicas e psicológicas, inclusive com casos de suicídios.

Comércio de rua

Mor Ndiaye, representante da comunidade senegalesa pediu um minuto de silêncio pela morte do imigrante senegalês, assassinado quando trabalhava como motorista de aplicativo. Lembrou que Porto Alegre é a segunda cidade brasileira com a maior concentração de imigrantes haitianos e senegaleses. Que eles não desejam as coisas de graça, que querem apenas um atendimento digno, para que possam se inserir na comunidade.

Para ele, o ponto principal é a situação dos comerciantes de rua, “a maioria com CNPJ e participação econômica no desenvolvimento da cidade”. Disse que muitos destes ambulantes na função apenas por um período, com vários deles já tendo aberto lojas no centro, que geram emprego, inclusive, para brasileiros. “Eu mesmo sou sócio de uma empresa com 17 funcionários. Somos fontes de progresso econômico e merecemos consideração e respeito”, ressaltou.

Maysar Hassan Ali, vice-presidente da Sociedade Árabe Palestina da Grande Porto Alegre, afirmou que nenhum migrante e refugiado deixa suas casas por que quer. Que o fazem por obrigação, por vários motivos, que vão da perseguição política ou religiosa, de catástrofes naturais, guerras, fome e mortes. “Levamos riquezas culturais, trocamos ideias e conhecimentos com quem nos acolhe, sem roubar o lugar de ninguém, mas para ficar e crescer lado a lado”, disse.

Ali salientou que o migrante e refugiado precisa receber uma voz de conforto, de carinho, “quer aprender e ensinar, voar livre com seus sonhos, com a certeza de que todos nós somos só uma alma”. Ela disse que representa a resistência contra o racismo e lembrou do pai, imigrante para tentar uma vida melhor em um país diferente. “Ninguém pode entender a necessidade grandiosa de um refugiado, de entrar em um país que no qual não se conhece a cultura, a língua e os costumes. Nós devemos abrir os braços para essas migrações”, finalizou.

Prefeitura

Representando a prefeitura da capital, Dari Pereira, diretor de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Desenvolvimento Social e Esporte, reconheceu que os problemas são latentes, mas lembrou que eles são sentidos por toda a sociedade diante da crise que a cidade enfrenta. Mas que existem avanços, como no caso do aumento das vagas nos albergues e no atendimento em saúde mental, com os novos CAP’s, onde há o atendimento aos migrantes. Que os conflitos com o comércio ambulante são antigos, tanto que para minimizá-lo foi construído o Shopping Popular no centro, mas que ainda há muito a ser feito.

Sobre o Centro de Referência afirmou que a prefeitura tem a verba assegurada e que nos próximos meses será lançado o edital. Citou que juntamente com o Comitê estadual de Atenção a Migrantes,Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas no Rio Grande do Sul grupo de trabalho o município busca verba federal para o atendimento em habitação à migrantes em situação de vulnerabilidade, mais especificamente para 170 famílias, priorizando as da vila Progresso. “Infelizmente o poder público demora um pouco, em todas as áreas é assim”, lamentou.

33 mil imigrantes

Jurandir Zamberlam, representando o Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações (Cibai Migrações) apresentou alguns números e disse que o cenário da mobilidade humana no Rio Grande do Sul já levou a mais de 250 mil atendimentos, em média 500 ao mês, sendo 160 só em Porto Alegre. “Porto Alegre atualmente conta com 33 mil imigrantes, sendo destes 7 mil resultantes do fluxo mais recente”, destacou. Afirmou que 1.100 pessoas estão em situação de vulnerabilidade e que a grande maioria se concentra nos bairros ou vilas Floresta, Centro Histórico, Rubem Berta, Santa Rosa, Lomba do Pinheiro, São Geraldo. Ainda que os Haitianos predominam em Porto Alegre, seguido dos Senegaleses.

Zamberlam também disse que houve uma inversão na territorialidade dos migrantes e refugiados no Estado. Com base no censo 2014 verificamos que 85% estavam no interior e 15% na capital, mas com o aumento do desemprego, agora, 33% estão na capital ou região metropolitana”. Ainda destacou que se antes eles trabalhavam no setor produtivo, hoje se concentram mais no comércio e serviços.

Para Zamberlam a maior dificuldade de integração está na falta de escolas que ensinem o português funcional, “uma iniciação que permita o ingresso no mercado de trabalho e a obtenção da documentação”. Disse ainda que apesar das dificuldades, “hoje o poder público despertou e é nosso parceiro, embora as políticas públicas estejam demoradas”. Por fim, lembrou que 75% não são católicos, mas que são atendidos pelas instituições cristãs pela ótica dos direitos humanos, referindo que a melhor experiência está nas igrejas, que oferecem aulas de português após os cultos.

Preconceito

James Derson Chadle, Presidente da Associação dos Haitianos do Rio Grande do Sul, disse que a situação é difícil, “especialmente para os imigrantes negros”. Referiu que as políticas públicas são necessárias, mas só terão efetividade se o governo entender que o imigrante é importante para a cidade. “Não viemos para roubar o lugar de ninguém, mas se entenderem assim, não teremos sucesso”, alertou. Chadle disse que é preciso investir no migrante, mas não necessariamente com dinheiro. “Conhecimento e oportunidade de trabalho também é investimento”, destacou.

Chadle lamentou a falta de retorno da prefeitura para demandas encaminhadas e o preconceito com que são tratados. Exemplificou com a falta de creche para as crianças. “Será que se a Associação do Sengegal de Haitianos fizer um projeto de creche em parceria terão resposta, indagou. Ele citou que não tiveram qualquer retorno ao pedido de adoção de uma praça, assim como da compra de um terreno junto ao Demhab.

Chadle disse que quando ocupam espaços no comércio de rua, os migrantes estão “vendendo e comprando, girando o mercado, pagando impostos na compra dos atacados com seus CNPJ e MEI’s”. Por fim destacou que todos ganham com a integração de culturas, línguas e cores diferentes, “pois é isso que faz a beleza para alcançar o crescimento coletivo”.

Sugestões

A AP contou com a manifestação de representações de outras entidades e organizações civis e foi finalizada às 21h45, com a fala do presidente dos trabalhos, vereador Marcelo Sgarbossa, que sugeriu, a título emergencial, da adoção de públicas que não dependam de recursos, como a articulação para que profissionais de diversas áreas, como engenheiros, advogados e outros, possam, mesmo sem a validação de seus diplomas, palestrar, trocar conhecimento, em parceria com as entidades de classe em um processo de integração com as categorias que as representam. Ainda que professores de francês e espanhol, por exemplo, possam ser aproveitados para ensinar uma nova língua. “O município poderia reconhecer e cadastrar esses professores e oferecer cursos para o entrelaçamento de culturas e necessidades”, disse Sgarbossa. O vereador afirmou que essas são algumas sugestões, “a título de provocação”, como a de oficinas de contação de histórias. “Há uma cadeia grande de possibilidades que não requer recursos. São exemplos, de que recursos fazem parte, mas que o acolhimento pode ser mais fácil quando se tem articulação política”.

Texto

Milton Gerson (reg. Prof 6539)

Edição

Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)