Sessão solene

Marcos Rolim reafirma luta pelos direitos humanos

Rolim (d), na homenagem, aplaudido por Fortunati (e), Tessaro e Zacher Foto: Lívia Stumpf
Rolim (d), na homenagem, aplaudido por Fortunati (e), Tessaro e Zacher Foto: Lívia Stumpf

"É preciso reconhecer no ser humano a dignidade que o define, e temos sido derrotados nesta ideia." A afirmação foi feita, nesta sexta-feira (19/3) à noite, pelo jornalista e ativista em direitos humanos Marcos Rolim, durante sessão solene em que recebeu o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre. Coordenada pelo presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, vereador Nelcir Tessaro (PTB), a cerimônia foi realizada no plenário Otávio Rocha da Câmara e contou com a presença do vice-prefeito, José Fortunati, entre outras autoridades.

Proponente da homenagem, o vereador Mauro Zacher (PDT) destacou que, já em 1979, Rolim participava da Anistia Internacional, tendo também participado do movimento de reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), tendo sido eleito vereador em 1982 pelo PMDB em Santa Maria e se filiado ao PT em 1984. Zacher também lembrou que Marcos Rolim é o autor da Lei da Reforma Psiquiátrica, primeira lei do gênero na América Latina, entre outros projetos de sua autoria que tornaram-se leis na área de saúde mental e dos direitos humanos. "O Rolim sempre pautou temas até então desconsiderados, como a reforma do sistema prisional", disse o vereador.

Citou ainda a caravana que o ex-deputado percorreu pelo Brasil a fim de revelar a realidade manicomial. Segundo Zacher, Marcos Rolim também teve projetos de lei que propunham a reforma da lei de execução penal, a descriminalização do uso da maconha, incentivos à adoção, e mecanismos de prevenção à tortura. "Isso gerou amplo reconhecimento ao seu trabalho no Congresso Nacional. O Brasil perdeu um de seus melhores parlamentares, com a não reeleição de Rolim, mas ganhou um intelectual."

Derrotas

Após receber a outorga do título de Cidadão Emérito, Marcos Rolim agradeceu a homenagem. Lembrando ser um ativista pela luta pelos direitos humanos, disse que suas vitórias "são quase nada comparadas às derrotas" nesta área. Lamentou que reformas que poderiam de fato mudar o Brasil ainda não tenham sido feitas e afirmou que a garantia dos direitos fundamentais às pessoas equivalente ao acesso à civilização. "É preciso reconhecer no ser humano a dignidade que o define, e temos sido derrotados nesta ideia. Todo o dia leio alguém escrever xingamentos aos direitos humanos e aos seus militantes.", disse Rolim.

Mauro Zacher lembrou que foi a tese de mestrado de Marcos Rolim tratando da avaliação das possibilidades da escola na prevenção da violência que permitiu a aproximação entre o proponente e o homenageado. Foi a tese de Rolim sobre o buylling nas escolas que deu origem à lei anti-buylling proposta por Zacher e aprovada pela Câmara Municipal. "É a primeira legislação do gênero em Porto Alegre", disse Zacher. "A sua trajetória serve de exemplo para todos, coerente com a causa pública. É um cidadão respeitado e admirado por todos, independentemente de posições à esquerda ou à direita."

Polícias

Defendendo a necessidade de uma ampla reforma do direito penal, Marcos Rolim disse que o Brasil não se moveu nesta direção e tem até regredido. "É o único país que criou duas metades de polícias. Em outros países, elas policiam e investigam. Aqui, foram divididas ao meio como uma laranja, como se as duas metades pudessem ficar em pé. Temos em cada Polícia uma espécie de apartheid."

Reafirmando que sempre defendeu os direitos das mulheres ao aborto, como modo de prevenir os riscos de vida para gestantes e a gravidez oriunda de estupro, entre outros problemas, Marcos Rolim lembrou que foi vaiado, no Legislativo, quando defendeu um projeto de sua autoria neste sentido. "As galerias ficaram lotadas de fiéis empunhando crucifixos e me vaiando. Infelizmente, vivemos num Estado onde a homofobia se fez cultura."

Rolim lamentou ainda que, como deputado federal, não tenha conseguido ver aprovada uma reforma política que priorizasse a votação em partidos e não em pessoas e alertou que o ceticismo generalizado da população pode gerar um clima apropriado para a introdução do autoritarismo. "Quero um país com onde o Estado garanta salva-guardas contra desigualdades e não um espaço para as elites políticas corruptas. É preciso uma imprensa plural capaz de valorizar de fato a diferença."

Esquerda

O homenageado também defendeu uma sociedade que estimule um genuíno apreço pela ciência e pela dúvida, acima de qualquer ideologia, e reafimou seu sonho com uma esquerda moderna e democrática. "Uma esquerda que se apaixone por políticas públicas e não pelo poder, que não legitime pretensões mesquinhas. Uma esquerda capaz de se indignar contra uma burocracia senil. Roubaram os sonhos de minha geração." Mas, citando o ex-senador Darcy Ribeiro, afirmou: "Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu". Ao concluir, afirmou: "Nós, militantes dos direitos humanos, nos sentimos desalojados sempre, como se estivéssemos em oásis. Mas a homenagem desta Casa nos autoriza a ir adiante."

O presidente da Câmara, vereador Nelcir Tessaro (PTB), cumprimentou o homenageado, lembrando que Marcos Rolim reforçará com seu brilhatismo o Conselho de Cidadãos Honorários de Porto Alegre. "É preciso que o sistema prisional seja mais humano e deixe de ser uma escola do crime. A população do Presídio Central, hoje, é superior à de 220 municípios do Rio Grande do Sul.", citou Tessaro. O vereador Carlos Todeschini (PT) lembrou que Rolim foi companheiro de militância nos anos 1980, quando pertenciam à mesma tendência no PT. "Rolim foi uma das principais lideranças na implantação do processo de participação popular nas administrações de Porto Alegre."

Já a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) lembrou que, quando era estudante no Colégio Sevigné, ficou muito impressionada com uma palestra de Rolim sobre violência, o que a influenciou na militância contra as desigualdades. "Rolim trouxe um debate fundamental sobre direitos humanos. Ele transmite muitos ensinamentos para várias gerações." Valter Nagelstein (PMDB) ressaltou que "Porto Alegre se sente engrandecida" em ter Rolim como Cidadão Emérito, pela sua participação em lutas contra o totalitarismo e a favor da lei antimanicomial e dos direitos humanos. O prefeito José Fogaça enviou mensagem parabenizando o homenageado.

Trajetória

Marcos Flávio Rolim é natural de Porto Alegre (RS), tendo nascido em 10 de setembro de 1960. É jornalista por formação acadêmica, graduado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 1990. Em 1979, foi redator de publicidade da Agência Somus Propaganda, em Santa Maria. Comentarista, membro consultivo, editor, repórter, articulista, coordenador de vários órgãos de imprensa, consolidou sua imagem na área jornalística.

Em 1982, foi eleito vereador por Santa Maria, se consagrando como um líder da região de Santa Maria pela sua militância política, logo se tornando conhecido por todo o Estado. Foi presidente do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Santa Maria, membro do diretório nacional do PT, candidato a prefeito de Santa Maria, deputado estadual eleito, líder do PT na Assembléia Legislativa do RS, deputado federal eleito pelo PT e vice-líder do PT na Câmara dos Deputados.

No seu histórico de militância política, defendia de forma aguerrida os direitos humanos, sendo, em 2000, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Ainda foi consultor em segurança pública de diversos Estados e Municípios, como do Governo Estadual do Acre (2008), da Prefeitura Municipal de Alvorada (2004) e da Prefeitura Municipal de Canoas (2009).

Seus artigos produzidos no Brasil e no exterior tiveram reconhecimento e destaque em órgãos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) – e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Suas participações como conferencista em países como Itália, Suécia, Inglaterra e Canadá resultaram em visibilidade internacional. Ainda na área acadêmica, seja como professor ou pesquisador, debateu temas de extrema relevância, como em seu mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), denominado “Bullying, o Pesadelo da Escola”. A tese foi transformada em projeto de lei pelo vereador Mauro Zacher (PDT), tendo sido aprovado este ano na Câmara Municipal de Porto Alegre.

Palestrante e estudioso na área da saúde mental, pesquisador visitante na Universidade de Oxford (St. Anthony’s College, Centre of Brazilian Studies, Oxford, Reino Unido), proferiu diversas palestras sobre o tema. Esse porto-alegrense foi incessante na produção de artigos em diversas revistas científicas e capítulos de livros publicados no Brasil e no exterior sobre temas como direitos humanos e justiça restaurativa.

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)