Urbanismo

Audiência Pública debate projeto do Executivo sobre Fazenda do Arado Velho

Audiência Pública debate projeto do Executivo sobre a Fazenda da Arado.
Projeto apresentado pelo Executivo divide opiniões (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

O Projeto de Lei Complementar do Executivo nº 024/21 que altera o regime urbanístico para fins de parcelamento de solo da área onde se pretende instalar o empreendimento imobiliário “Fazenda Arado Velho”, na região sul da Capital, foi o tema da audiência pública realizada nesta quinta-feira (25/11), de maneira virtual. O presidente da Câmara, vereador Márcio Bins Ely (PDT), abriu a audiência destacando que “o projeto é pauta pertinente para ser debatido juntamente com a população”.

 Executivo

O secretário municipal de Meio Ambiente Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, ressaltou que o tema foi debatido amplamente com a sociedade e internamente, junto aos Conselhos Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental e do Meio Ambiente, em audiência pública, no encontro de planejamento e na região sul. Segundo o secretário, durante os debates houve ”falas contrárias e favoráveis ao projeto e tivemos a oportunidade de colher as contribuições”. Bremm disse ainda que “falta um pouco de conhecimento da população, que muitas vezes gera críticas, mas o projeto foi evoluindo ao longo do tempo, aprimorado e avaliado tecnicamente, antes de ser enviado ao Legislativo”.

A arquiteta e urbanista da Smamus, Gisele Vargas, fez a apresentação da proposta de alteração do regime urbanístico, que pertence à Região de Planejamento 8 – no bairro Belém Novo -, “que atualmente se encontra na fase de Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), e depende de lei própria para seguir adiante”. A arquiteta explicou que o Programa de Espaços Abertos propõe implementação de sistema de espaços, como praças e parques, edificados ou não, com uso coletivo e de interação social, que visa potencializar a valorização do patrimônio ambiental, paisagístico e histórico na fazenda do Arado e arredores.

A urbanista disse também que “através da estratégia de produção da cidade, o poder público poderá, em conjunto com a iniciativa privada, promover projetos de desenvolvimento urbano nos locais delimitados pelo projeto”. A arquiteta apresentou mapas com áreas de ocupação intensiva, regiões de mata nativa, orla, e locais com potencial construtivo. Gisele disse que, pelo regime original, “atualmente é permitido 1.323 unidades habitacionais e o projeto enviado à Câmara prevê a ampliação da área de ocupação para 2.353 novas unidades”. Com a implantação futura do empreendimento, “estima-se o incremento de 70% na população, num período de dez anos”, relatou Gisele Vargas.

O arquiteto Rodolfo Fork complementou a explicação sobre o projeto dizendo que o zoneamento proposto ressalta o parcelamento do solo e amplia mais a área intensiva, possibilitando maior densidade às áreas econômicas. “Com isso teremos a doação de praças, creches, postos de saúde, terminal de ônibus uma grande quadra de polo comercial e uma escola agrícola”, explicou.

O arquiteto afirmou ainda que “esse anel proposto preserva a zona ambiental existente”. Disse que, com a criação de uma grande reserva natural, onde já existe mata nativa, os empreendimentos com 2.500 unidades terão menor densidade e menos impacto ambiental. “Fizemos uma transição mais intensiva entre a zona rural, com menor impacto, e a implantação dos empreendimentos trará benefícios à região”. Fork destacou que o projeto tem como foco a sustentabilidade e que a conexão viária será mantida, “pois gera centralidade e melhoria para o bairro”. Por fim, informou que essa etapa de aprovação do projeto é somente a primeira parte, “porque ainda é preciso fazer os estudos de viabilidade e de imóveis, licenciamento ambiental, e terá uma escala de tempo de médio prazo, de aproximadamente quatro anos, pois ainda falta aprovação dos loteamentos”.

Contrapartidas

A proposta prevê a construção de unidade de tratamento de água na região do Arado e manutenção de áreas de proteção ambiental. Ainda, como contrapartida, estão considerados benefícios econômicos com a criação de polo comercial para geração de emprego e renda, qualificação de equipamentos públicos, revitalização de espaços e percursos da orla de Belém Novo integrando as áreas verdes existentes, como a unidade de conservação, sítio arqueológico Guarani e partes da fazenda do Arado. Também estão previstas a construção de creches, escola agrícola, dois postos de saúde na região e melhorias nas vias de acesso.

 Contra o projeto

Moradora do bairro Belém Novo, Michele Rihan Rodrigues considera que há inconsistência no projeto. “O empreendedor adquiriu uma área rural e vai transformar em área urbana. Descuidar do meio ambiente é causar prejuízo econômico para cidade”. Michele falou que “enquanto as grandes metrópoles buscam preservar áreas verdes, Porto Alegre vai no caminho contrário, querendo urbanizar áreas que têm banhados e parte do bioma pampa”. Disse também que a proposta “se arrasta nos tribunais”. Segundo a moradora, há investigação sobre o estudo de impacto ambiental, que não avaliou adequadamente a área, “que tem gato, bugio, e várias espécies de aves, répteis, anfíbios e peixes nos banhados”.

Sílvio Jardim disse que “o Executivo aplicou R$ 129 milhões na orla e conseguiu financiamento de R$ 1,8 bilhão para revitalizar o centro da cidade, é tudo uma questão de vontade política”. Ele entende que, com a ampliação das unidades habitacionais, haverá impactos ambientais e de mobilidade. ”Em Belém Novo haverá sete bacias de contenção, com dois canos de 600 milímetros, que vão lavar o condomínio e todo esgoto vai direto para o Guaíba, que é área de proteção ambiental e a estação de captação de água ficará comprometida”. Sílvio entende que “o projeto sepulta o bairro Belém Novo” e alerta que há decisão judicial pendente, sobre ocupação indígena e remoção de elementos antropológicos. “É preciso discutir com a comunidade e o movimento ambientalista para fazer uma proposta decente que não traga problemas para área ambiental”, finalizou.

O professor de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Paulo Brack falou que há desconhecimento em relação à biodiversidade da área. “Vimos vários animais, como tartarugas, gato do mato, aves e bugios porque a região tem atributos de proteção.” O professor ressaltou que o município deveria investir num cinturão verde, preservar os caminhos rurais, a agroecologia, promover o turismo ecológico e que nenhum biólogo falou do ponto de vista do licenciamento ambiental. Brack disse ainda que o estudo de impacto ambiental está sendo contestado judicialmente. “A Secretaria, que deveria proteger o meio ambiente, está trabalhando para favorecer um empreendimento que vai destruir áreas de fauna e flora da região sul de Porto Alegre, com prejuízo na qualidade de vida dos moradores de Belém Novo”.

Fernando Costa, da organização Amigos da Terra Brasil – Movimento Preserva Arado – disse que é preciso defender o meio ambiente, manter o diálogo, cumprir as leis, sem destruir modos de vida por conta do lucro. Falou também que “se na região 8 do Plano Diretor não há espaço para os moradores discutirem, por conta da pandemia, deveria ter sido providenciado outro espaço de diálogo. A Ponta do Arado é guarani, de povos indígenas que vêm resistindo há anos para que o espaço seja preservado”. Fernando falou que “a postura do empreendedor é violenta, colocou seguranças armados dentro da área, e já houve tiroteio e envenenamento de poços”. Disse ainda que o Conselho do Orçamento Participativo, que era deliberativo, não existe mais e que não há espaço para participação e nem discussão dos temas que envolvem os moradores. ”O empreendimento foi montado para calar quem se manifestar”, relatou.

A vereadora Karen Santos (PSOL) falou que as contrapartidas são migalhas e criticou o argumento do desenvolvimento econômico na região, alegando que “as pessoas são jogadas nas periferias, onde o trabalho é precarizado. Não é feio ser empregada doméstica ou pedreiro, a questão é que são empregos mal remunerados”. A parlamentar disse que “o mega empreendimento vai criar 1.300 unidades na planta, numa área de alto valor, numa lógica de incentivo à especulação imobiliária no marco dos territórios, daí desmata tudo, polui o rio, e esta é a ideia de desenvolvimento.”

Onir de Araújo, da Frente Quilombola e biólogo, defende que todos têm direito ao meio ambiente, “é preciso preservar para as futuras gerações”. Ele acredita que o projeto tem diversas brechas, como a presença guarani na Ponta do Arado. O biólogo entende que o projeto imobiliário descumpre a legislação ao não ser implementada consulta livre às pessoas impactadas. “Está acometendo isso com o Beira Rio, na Ponta do Arado e em outros locais da cidade. Esse projeto tem vício de origem e a comunidade guarani não foi consultada”. Segundo ele, o discurso do Executivo de que vai gerar emprego, “na verdade irá trazer uma precarização nas condições de trabalho e da qualidade de vida”.

O ambientalista Matheus Coimbra comentou que se não fosse a atuação da sociedade civil, o projeto teria sido aprovado com laudo fraudulento. “O projeto que está sendo apresentado é confuso”. Ele disse que vai enviar para os vereadores um mapa da situação e que discorda totalmente dos arquitetos da prefeitura. “Esse projeto é criminoso”, desabafou.

A favor

Márcio Carvalho, arquiteto e urbanista, disse que viveu parte de sua infância no bairro Belém Novo e que, por muito tempo, o local estava abandonado pelo poder público. “A vocação urbana e o caráter histórico são notáveis e merecem ser tratadas com essa visão, mas há demandas de habitação social que necessitam de projetos cuidadosos, de saneamento ambiental e de revitalização da orla. Essas qualificações deveriam ser feitas pelo Executivo e por isso sou a favor desse projeto”.

Dinar Melo de Souza, conselheiro ambiental, disse que o projeto será bom para a população e que irá trazer desenvolvimento à cidade. “Através de diversas discussões com a população e audiência pública, foi bem esclarecido sobre tudo que a proposta contempla, ninguém deve dizer o contrário, só não conhece quem nunca participou dessa construção”. Dinar acredita que os moradores da região precisam desse empreendimento para que a Fazenda evolua e disse que “a maioria das pessoas do local é a favor”.

Caio Paixão, morador da região, afirmou que o empreendimento no Arado vai deixar 420 hectares em preservação. “Teremos muitos benefícios e mais de 1.200 pessoas trabalhando no comércio de Belém Novo. O empreendimento irá revolucionar o local, vai trazer melhorias para a população”, afirmou.

Vera Regina da Silva Pereira, que falou como moradora, disse que, sendo de uma comunidade pobre e carente, sabe que o projeto terá uma perspectiva de progresso no local. “Antes a prefeitura não via esse local como bairro e sim como balneário. Somente depois que foi montada uma cooperativa pelos moradores, a prefeitura começou a enxergar Belém Novo e aí veio asfalto e comércio”. Ela acredita que com o projeto a população terá dignidade e a preservação será mantida. Ela pediu que o projeto seja aprovado pelos vereadores.

Edson Berwanger, morador da zona sul, entende que a construção de novas estruturas, é importante porque gera empregos. “O projeto do Arado é significativo para esta região da cidade, pois trará benfeitorias ao longo do tempo e que a região necessita de novos empreendimentos. Se o ente público não consegue cuidar como deveria, certamente o empreendedor poderá contribuir com isso”. Ele citou ainda outras regiões da cidade que se desenvolveram porque receberam novos empreendimentos, como o Shopping Iguatemi, na zona norte, e o bairro Cristal, também na zona sul.

Morador do bairro Lageado, Jorge Luiz Mendes afirmou que “o extremo sul vai ser beneficiado por um bairro planejado, com respeito às leis ambientais e urbanísticas, sem a falsa premissa de território indígena e que, historicamente, foi ocupado de maneira irregular”. Segundo ele, a área foi uma propriedade privada por 60 anos, com atividades de pecuária, agricultura e moradia. Jorge acredita que o aumento de unidades habitacionais viabilizará a manutenção da área nativa com a taxa de condomínio para preservação da natureza. “A densidade populacional do empreendimento é inferior à densidade de habitantes do bairro Belém Novo”, argumentou.

Presenças

Também acompanharam a transmissão online a vereadora Lourdes Sprenger (MDB), os vereadores Airto Ferronato (PSB), Aldacir Oliboni (PT) e Gilson Padeiro (PSDB), moradores da zona sul da Capital e representantes de entidades ambientalistas.

Texto

Glei Soares (reg. prof. 8577)
Priscila Bittencourte (reg. prof. 14806)

Edição

Marco Aurélio Marocco (Reg. Prof. 6062)