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Despejo do Gapa/RS é discutido na Cosmam

Entidade teve sede lacrada por falta de pagamentos do aluguel e busca apoio do poder público.

  • Fechamento do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids. Na foto, o vice-presidente do Gapa, Carlos Duarte.
    Carlos Duarte disse que sede do Gapa é um espaço coletivo das ONGs (Foto: Candace Bauer/CMPA)
  • Fechamento do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids. Na foto, o diretor de ações de saúde da Secretaria Estadual da Saúde-RS, Elson Romeu Farias (ao microfone).
    Elson Farias pediu desculpas "pelo tom equivocado da nota oficial" da SES (Foto: Candace Bauer/CMPA)

A Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara Municipal discutiu, na manhã desta quinta-feira (17/8), a desocupação da sede do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa/RS) em Porto Alegre devido à falta de pagamento do aluguel. A sede da entidade, localizada na Rua Luiz Afonso, 234, foi lacrada na sexta-feira (11/8) à tarde por determinação judicial.

Observando que os governos, em geral, têm muita resistência em ceder imóveis públicos, o presidente da Cosmam, André Carús (PMDB), destacou que há vários prédios que poderiam ser utilizados por entidades que prestam serviços em parceria com o poder público. “No caso do Gapa, a Cosmam tem imóveis públicos a sugerir e quer intermediar uma solução para o problema. Solicitaremos que a Prefeitura indique, num prazo de 15 dias, imóveis que possam servir de nova sede do Gapa.” Também ficou acertado que será formada uma comissão para tratar da busca de uma nova sede e da transferência do acervo do Gapa para outro local.

Lembrando a trajetória da entidade, desde os anos 1990, no combate e prevenção ao vírus HIV e no atendimento às pessoas soropositivas, o vice-presidente do Gapa, Carlos Duarte, observou que a sede da entidade é um espaço coletivo das ONGs. “Ficamos surpresos com a forma como o despejo foi realizado e com a manifestação desrespeitosa do governo do Estado que, em sua nota, diz que o convênio com o Gapa é dispensável. Isso é uma ofensa a todo o movimento social e mostra que o governo não está interessado no assunto. Junto com o Gapa foi despejada também a história do enfrentamento à epidemia no Brasil. O governo passa a mensagem de que a melhor forma de combater a Aids é o esquecimento, falta solidariedade.”

Célio Golin, integrante da ONG Nuances, recordou que o grupo surgiu em 1991 e fazia reuniões na sede do Gapa. Ele destacou o “perfil político” do Gapa no enfrentamento da epidemia, sendo uma referência nacional como entidade de defesa dos direitos humanos das pessoas infectadas pelo HIV. “O Estado está se omitindo na prevenção do HIV, e a epidemia está alastrada. Qualquer epidemia só pode ser enfrentada com a participação da sociedade. É vergonhoso ver como o Estado e o Município estão se comportando neste episódio do despejo do Gapa. Eles deveriam tomar a iniciativa e oferecer soluções para que seja mantido o trabalho da entidade. É preciso que assumam o compromisso de arranjar urgentemente um prédio.”

Pedido de desculpas

O diretor do Departamento de Ações em Saúde do Estado, Elson Farias, pediu desculpas “pelo tom equivocado da nota” emitida pela Secretaria de Saúde do Estado (SES), “que não condiz com o que a equipe pensa a respeito da questão”. Segundo ele, há um esforço da equipe da Secretaria no sentido de que o enfrentamento ao vírus HIV não tenha apenas um viés técnico, mas também um tom político. “Queremos que o tema seja incluído na agenda dos gestores públicos.” Sobre a desocupação do prédio que vinha servindo de sede para o Gapa, Farias lamentou que “o ente público não tenha conseguido lidar com esta questão” desde o surgimento do problema. Lembrou que um prédio da Jerônimo Coelho tinha embaraços legais que impediram a sua cedência à entidade. “Os arquivos mantidos pelo Gapa são patrimônio de toda a sociedade. É preciso construir alternativas para que isso não se perca.”

Presidente do Gapa, Carla Almeida disse que o pedido de desculpas do governo do Estado poderia ser aceito pela entidade. “Mas a manifestação tem de ser pública, assim como a nota oficial desrespeitosa e equivocada.” Carla destacou que é um grande equívoco o governo dizer que, “no Estado que tem a maior epidemia do vírus HIV no Brasil”, é dispensável a atuação de qualquer ente. Ela também reclamou que o Gapa solicita há mais de um ano, sem sucesso, uma reunião com o secretário estadual de Saúde. “Estamos reivindicando não apenas uma sede nova para o Gapa, mas políticas públicas de saúde.”

Representando a Secretaria Municipal de Saúde, Maria Machado Dias solicitou que o Gapa apresente uma lista de imóveis, públicos ou particulares, que possam servir de sede. “A Secretaria se dispõe a alugar um imóvel particular, se for necessário.” A oferta, no entanto, foi rechaçada por Carla Almeida: “Se o Gapa alugar um prédio particular agora, daqui a um ano estaremos novamente discutindo o mesmo problema. É preciso que seja cedido um imóvel público.”

Vereadores

Proponente da reunião, o vereador Aldacir Oliboni (PT) afirmou que o despejo sem prévio aviso surpreendeu a todos. “É preciso que a Prefeitura disponibilize um local para abrigar arquivos do Gapa nos próximos 30 dias.” Destacando a trajetória do Gapa na luta contra o HIV-Aids e o trabalho voluntário desenvolvido pela entidade, a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) disse que o despejo “é um símbolo do descaso do governo do Estado com as políticas públicas”. Já a vereadora Sofia Cavedon (PT) afirmou que o Gapa é uma referência nacional na luta contra o vírus HIV e o preconceito às pessoas soropositivas e lamentou que o trabalho desenvolvido pela entidade esteja prejudicado por falta de apoio do governo.

Também participaram da reunião representantes do Conselho Municipal de Saúde, do Conselho Estadual de Saúde, do Fórum de ONGs Aids no RS, do Núcleo de Estudos da Prostituição (NEP), do jornal Boca de Rua, de gabinetes parlamentares da Câmara e da Assembleia Legislativa, da ONG Igualdade e diversas outras entidades que têm atuação conjunta com o Gapa.

Para entender o caso

O Gapa/RS atende há mais de duas décadas a população com Aids do Rio Grande do Sul e desenvolve campanhas de prevenção à doença. Cerca de 2 mil pessoas procuram a entidade todo mês em busca de auxílio.

A sede do Gapa na Rua Luiz Afonso, 234, no Bairro Cidade Baixa, foi alugada pela Secretaria Estadual de Saúde e cedida à instituição, por convênio, em 1991. A SES financiou o aluguel do imóvel de 1991 a 2008, ano em que encerrou o contrato de locação. Desde então, durante os últimos nove anos, o Estado não efetuou mais pagamentos de aluguel.

A Secretaria Municipal da Saúde chegou a iniciar, em 2013, a reforma de um antigo imóvel na esquina da Rua Jerônimo Coelho com a Marechal Floriano Peixoto para ser a nova sede da ONG. Na época, a intenção era transformar o prédio num centro de referência Aids, com espaço para o Gapa e outras ONGs que trabalham na mesma área de atuação. Este imóvel, no entanto, está interditado pelo Corpo de Bombeiros por falta de habite-se. Desde então, não houve mais comunicação por parte da SMS a respeito da nova sede, e o Gapa permaneceu no prédio da Rua Luiz Afonso.

Em 7 de dezembro de 2015, a FF Participações Ltda, proprietária do imóvel, ingressou na Justiça com uma ação de despejo contra o Estado. Na última sexta-feira (11/8), a Justiça estadual cumpriu a ação de despejo para retomada do imóvel ocupado pelo Gapa.

O imóvel, então, foi lacrado para desocupação, mas arquivos e materiais da entidade ainda estão guardados na antiga sede e precisam ser transferidos em segurança para outro local.

Após a ação de despejo, a SES emitiu nota oficial em que dizia que “o objetivo inicial que motivou a realização do convênio à época com o Gapa não mais se justifica, uma vez que hoje existem inúmeras organizações sociais que trabalham em ações de apoio aos portadores do vírus HIV”.

Texto: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)
Edição: Claudete Barcellos (reg. prof. 6481)