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Vereadores debatem atendimento multidisciplinar para sequelas pós-covid

  • Reunião para planejamento das ações públicas para atendimento aos pacientes pós-covid na rede municipal de saúde de Porto Alegre.
    Alceu Gomes, coordenador da Saúde Mental da SMS, disse que está sendo finalizado um plano municipal para o setor (Foto: Martha Izabel/CMPA)
  • Reunião para planejamento das ações públicas para atendimento aos pacientes pós-covid na rede municipal de saúde de Porto Alegre.
    Jefferson Boeira, do Simers, destacou que governos priorizaram mais leitos de UTI e não cuidaram do pós-covid (Foto: Martha Izabel/CMPA)

A adoção de medidas multidisciplinares para o atendimento clínico, físico e mental a pacientes pós-covid, assim como a ampliação de investimentos nas Unidades Básicas da rede pública, devido à maior demanda provocada pela pandemia, e a criação de um centro de pesquisas foram alguns dos pontos abordados na manhã desta terça-feira (1/6) em reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara Municipal de Porto Alegre. Para a unanimidade dos interlocutores do encontro, presidido pelo vereador Jessé Sangalli (Cidadania) e realizado por videoconferência, as sequelas são intensas e não há estudos suficientes para que se determine quando e por quanto tempo elas se manifestam após a alta. O tema foi trazido à Cosmam por iniciativa da vereadora Psicóloga Tanise Sabino (PTB) e pelo colega Aldacir Olibini (PT).

Conforme Tanise Sabino, estudos apontam que até 80% das pessoas que tiveram a forma mais grave da covid-19 ficaram com alguma sequela respiratória, renal, cardíaca, vascular ou psicológicas, entre outras. Para a vereadora petebista, o desafio é o de organizar atendimentos multidisciplinares, a exemplo do que vem sendo feito em outros países e em alguns estados e municípios brasileiros.

Tanise destacou que apresentou projetos para apoiar ações nesse sentido. Um deles, em parceria com o vereador Cláudio Janta (SD), pretende instituir suporte psicológico e psiquiátrico para profissionais da saúde e educação. Outro prevê a criação de um ambulatório pós-covid, com equipe multidisciplinar de médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais, para onde se concentrariam os atendimentos a partir do encaminhamento pelas unidades básicas. E ainda anunciou indicativo ao governo para um programa de voluntariado, com a participação de instituições de ensino, sindicatos e conselhos, também voltado ao atendimento pós-covid.

Aldacir Oliboni lembrou que ainda sente as sequelas da doença. Disse que o setor público precisa estar preparado para dar esse atendimento à população, por um período que atualmente varia de três a seis meses. Salientou que esse movimento é visto com clareza na rede privada, mas que desconhece ações voltadas para quem mais precisa.

O vereador também alertou que as sequelas podem ser tão graves quanto a doença em si e levar a óbito. “Algumas pessoas têm medo de sair de casa e de pegar um ônibus, e a maioria não sabe para onde ir por falta de orientação para esse atendimento continuado”, afirmou. Para o parlamentar petista, o município não está ofertando possibilidade de reversão desse quadro e “é urgente a criação de politicas para atendimento para sobreviventes do covid”.

José Freitas (Republicanos) destacou que sua sequela pós-covid mais forte foi a do esquecimento, ao ponto de estar indo para uma agenda e ficar dirigindo sem saber para onde estava indo. Ele disse que tem conhecimento de dois lugares que já adotaram o tratamento por equipes multidisciplinares no país: Hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro; e Policlínica Adulta, mantido pela prefeitura de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.

A vereadora Cláudia Araujo (PSD) disse que sofreu com a queda de cabelo, mas que os problemas para muitos são mais graves, como a perda de mobilidade e da fala. Citou a gravidade da pandemia e a nova cepa híbrida descoberta no Vietnã e defendeu que é preciso buscar meios para que as pessoas consigam sobreviver. Disse estar preocupada ainda com as outras doenças, “que tem sido deixadas de lado”, principalmente a oncologia. “Dias podem fazer toda a diferença no tratamento do câncer.” Cláudia Araújo reconheceu que o paciente de covid, após a alta, precisa voltar ao posto de saúde para acompanhamento, mas que o trâmite é lento. “Entram em uma fila e não têm prioridade no atendimento. Muitas vezes, são hospitalizados novamente e acabam morrendo por complicações do pós-covid.”

Entidades

Cláudia Franco, do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul, disse que “não existem recuperados, mas sequelados do covid”. Afirmou que os problemas podem aparecer muito tempo depois e, muitas vezes, não relacionados à doença, não sendo reconhecidos como sequelas devido à falta de acompanhamento. Denunciou o desmonte da rede básica, com unidades sendo transformadas em pronto-atendimento, e do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir do corte de orçamento, o que dificulta o atendimento e monitoramento de situações que deveriam ser corriqueiras, como a hiperglicemia, pressão alta e outros sintomas que podem ter relação com o covid e o adoecimento da população.

Para ela, é na região territorial que se criam vínculos, “onde esse acompanhamento tem maior eficácia e deve ser feito”. Acrescentou que em Porto Alegre, atualmente, o atendimento multidisciplinar é feito no Hospital Mãe de Deus, no Hospital São Lucas da PUC, na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), Santa Casa e Hospital de Clínicas. Ainda disse que o sindicato é contra o sistema de voluntariado para atendimento na rede.

Ana Paula de Lima, representando o Conselho Municipal de Saúde destacou o importante papel do Legislativo na cobrança e fiscalização dos gestores para a efetiva garantia de funcionamento do sistema de saúde. “Um sistema que está desfinanciado”, alertou. Segundo ela, na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, aprovada pela Câmara, houve a diminuição nos recursos da saúde. “E isso tem efeito direto na capacidade de resposta.” Chamou a atenção para os dados do próprio relatório de gestão do governo, no qual se verifica redução de gastos em 2020, com os maiores cortes em pessoal, “que é o coração da atividade, porque só se faz saúde com pessoas cuidando de pessoas”.

Sobre o voluntariado, falou que ele sempre existiu como ação da sociedade civil e tem importância em setores como o da segurança alimentar. Mas que, no SUS, a cobrança deve ser feita aos gestores, que devem dar repostas a todas as necessidades. Para ela, com a redução de outros serviços em saúde contratualizados, a prefeitura deveria fazer um ajuste de contas para que os hospitais dessem suporte ao atendimento público do pós-covid.

Diretor executivo do Simers, Jefferson da Silva Boeira destacou o esforço dos governos em dar suporte à pandemia. Mas salientou que o olhar se deu mais para o aumento de leitos de UTI e contratação de pessoal, “e não se pensou no pós-covid”. Observou que existem casos de pacientes com alta da UTI, que não tem leito livre, e permanecem ocupando o lugar de quem está em estado grave e deve ir para a área intensiva. E que o atendimento pós covid, ainda no hospital, “demanda de duas a três semanas, às vezes mais, até a alta”. Para ele, é fundamental o investimento na saúde básica. “Quando a saúde é vista como custo, começa o problema.”

Sonia Regina Coradini, do Conselho Regional de Enfermagem (Coren), reforçou a necessidade de que o debate ocorra em todo o país. Como servidora aposentada da Saúde municipal, ressaltou para o reforço da atenção básica, não somente para os casos pós-covid, mas também aos desassistidos pela doença, o que, segundo ela, poderia reduzir o número de casos graves. Coradini disse que é difícil precisar por quanto tempo as sequelas irão durar e que é responsabilidade do gestor público potencializar a rede do SUS, com instituições que se responsabilizem pelo atendimento.

Gustavo Bernardes, presidente da Associação das Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil), disse que estudo do Hospital Albert Einstein aponta que 25% dos pacientes intubados morrem, 40% dos pacientes que tiveram em UTI voltam a ser internados e 25% não retornam ao trabalho. Ainda acrescentou que 22% foram acometidos por transtornos mentais como ansiedade, 19% por depressão e 11% por estresse pós-traumático.

Outro estudo citado por Bernardes foi o da Escola de Medicina de Washington, que demonstra o percentual de 59% relativo às chances das pessoas morrerem pelas sequelas. “O sistema privado já está se preparando. E o que o sistema público tem feito para acolher o tratamento desses sintomas?”, questionou. Para ele, os cidadãos não “querem um puxadinho, mas um sistema preparado para acolher e tratar quem está sofrendo com as sequelas dessa doença”.

Para o representante do Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito), Francisco Lima, os números de vagas acrescidas nas UTIs só cobriram um déficit “que provavelmente já existia antes da pandemia”. Ele informou que o conselho tem trabalhado em conjunto com a Associação de Fisioterapia Respiratória, e um grupo de trabalho foi criado para auxiliar de forma voluntária na criação de protocolos terapêuticos não farmacológicos que reduzam o impacto das sequelas pós-covid.

Alceu Gomes, coordenador da Saúde Mental da Secretaria Municipal da Saúde, disse que está sendo finalizado um plano municipal para o setor. Informou que foi criado um grupo de trabalho para avaliar a crise da saúde mental no período da pandemia e propor estratégias de atuação. Citou uma ação, em parceria com as universidades, destinada a atender os profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate ao covid-19. E que, além da ampliação e celeridade da testagem nos usuários dos centros de atenção psicossociais, está sendo elaborada a reorganização de fluxos com vistas à priorização do atendimento para pacientes pós-covid. Sobre situações mais graves, como o suicídio, declarou que em 2020 ocorreram menos casos do que em 2019, mas que, no primeiro quadrimestre de 2021, foi percebido aumento. 

Encaminhamentos

Uma sugestão apresentada foi aceita pelos integrantes da Cosmam, que deverão agendar uma visita ao Hospital de Clínicas para conhecer o Ambulatório de Doenças do Trabalho, que poderia ser referência para o tratamento pós-covid. Também ficou acertado que um novo encontro será marcado para tratar especificamente do atendimento para as doenças mentais em Porto Alegre.

Participaram ainda da reunião a vereadora Lourdes Sprenger (MDB) e os representantes da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, dos Hospitais Materno Infantil Presidente Vargas, Clínicas e Conceição e do Conselho Regional de Farmácia.

Texto

Milton Gerson (reg.prof. 6539)

Edição

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

Tópicos:sequelascovid