Entidades funerárias são contrárias a projeto sobre necrochorume
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de Porto Alegre debateu, nesta terça-feira (27/5) pela manhã, o projeto de lei que obriga os cemitérios da Capital a adotarem tratamento que vise a reter o produto da coliquação (processo de decomposição de um corpo) nos sepultamentos em urnas o necrochorume. A proposta, de autoria do vereador Delegado Cleiton (PDT), está em tramitação na Câmara Municipal e se baseia na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente nº 335, de 3 abril de 2003.
O assessor jurídico do Sindicato das Empresas Funerárias do RS, José Horácio Gattiboni, disse que o setor está apreensivo com a possível repercussão que o projeto possa gerar. Porto Alegre tem um dos melhores serviços funerários do país, podemos dizer que temos padrão Fifa. Ele ressaltou que, até hoje, nunca foi registrado, em Porto Alegre, nenhum problema de contaminação do solo relacionado ao necrochorume.
Segundo ele, estudos realizados sobre a decomposição dos corpos de pessoas sepultadas mostrariam que não há nenhum risco de ocorrer essa contaminação, pois as bactérias anaeróbicas presentes na decomposição morrem quando os corpos são enterrados no solo a 20cm ou mais de profundidade, regra que estaria sendo seguida por todos os cemitérios. Para ocorrer a drenagem de jazigos seria necessário desenterrar os corpos, e isso mexe com questões religiosas e sentimentais das pessoas. É só uma celeuma criada. Por isso, não concordamos com o projeto.
Ito Hugo Fischer, da Irmandade São Miguel e Almas (Isma), disse que a entidade possui certificado do Conama atestando que aquele cemitério não é poluente. Cada cemitério tem sua maneira de trabalhar. O projeto precisa ser melhorado.
Paulo Coelho, da Associação Nacional de Empresas Funerárias e da Associação Nacional de Tanatopraxia, observou que a proposta do vereador Delegado Cleiton tem o mérito de propiciar a discussão do tema antes que possíveis desastres possam acontecer. Uma legislação adequada protegerá não apenas a população de Porto Alegre, mas de todo o Estado. Cerca de 11 mil cadáveres por ano são transladados de Porto Alegre para outras cidades, de uma média de 19 mil óbitos por ano.
Paulo Coelho alerta, no entanto, que a manta na qual os corpos podem ser envoltos, conforme previsto na Resolução do Conama, é impermeável e não resolverá o problema gerado pela retenção dos líquidos e pelos gases poluentes originados da decomposição dos corpos. Isso vai gerar lixo infectante após a contaminação do solo. Ao se impermeabilizar as urnas de forma inadequada, o meio ambiente continuará sendo contaminado.
A alternativa ideal para tratar o necrochorume, na opinião de Paulo Coelho, estaria na utilização da tanatopraxia, uma técnica científica que se utiliza de salas equipadas para fazer a coleta de resíduos líquidos e sólidos, promovendo o seu devido tratamento e desinfecção antes de serem recolocados no meio ambiente. A tanatopraxia é realizada por profissionais habilitados e que possuem formação universitária. Em Porto Alegre, o corpo pode ser velado em urna aberta, o que coloca em risco a saúde das pessoas. A manta não é eficaz.
O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Crematórios e Cemitérios, Wilton Araújo, disse que Porto Alegre tem o sistema funerário mais organizado do país. As normas rígidas do Conama estão sendo seguidas na medida do possível em todos os cemitérios do país. Já há esse cuidado e não foi constatada, até agora, nenhuma contaminação. A Resolução do Conama se sobrepõe a qualquer projeto municipal.
Diálogo
O autor da proposta, vereador Delegado Cleiton, garantiu que o seu projeto de lei não visa a causar problemas para os serviços prestados pelas entidades funerárias. Queremos buscar um acordo para que o projeto possa ser aplicado. Ele não irá a votação antes que funerárias tragam alternativas. Lembrando que a maioria das entidades que gerenciam os cemitérios da Capital são religiosas, Cleiton ponderou que é preciso privilegiar a defesa do meio ambiente.
Para o presidente da CCJ, vereador Reginaldo Pujol (DEM), o debate sobre o tema não pode ficar restrito a formalidades legais. É preciso examinar os aspectos positivos da proposta. Ele sugeriu ainda que o projeto também seja debatido na Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara. Presidindo a reunião, o vereador Waldir Canal (PRB) sugeriu que os representantes das funerárias proponham emendas ao projeto, enquanto o vereador Marcelo Sgarbossa (PT) propôs que seja feito um debate sobre o assunto também com representantes das áreas científica e ambiental. É preciso haver um consenso sobre as pesquisas cientificas sobre esse tema.
O vereador Valter Nagelstein (PMDB) destacou que o debate sobre o assunto também envolve questões religiosas e observou que muitos povos têm a tradição milenar de enterrar pessoas falecidas diretamente na terra, seguindo preceitos bíblicos. Nunca houve contaminação. Não se pode levar em conta um caso de exceção para torná-lo uma regra. Também participaram da reunião o vereador Elizandro Sabino (PTB) e representantes da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic) e de outras entidades funerárias de Porto Alegre.
Texto: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)
Edição: Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)
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