Pedro Dutra Fonseca destaca coerência das ideias de Vargas
"Getúlio Vargas tinha um projeto de nação. Pode-se ser contra ou a favor das suas ideias, mas é difícil ser indiferente a elas." Ao fazer a afirmação, o professor e pesquisador Pedro Cezar Dutra Fonseca procurou demonstrar a importância e a coerência das ideias defendidas pelo ex-presidente brasileiro Getúlio Vargas durante a sua vida pública. Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do CNPq, Dutra Fonseca esteve na Câmara Municipal de Porto Alegre nesta quinta-feira (19/4) à tarde e fez palestra sobre o tema Getúlio Vargas 130 anos A trajetória de um estadista, durante a sessão ordinária da Casa. A atividade marca o início das comemorações preparadas pelo Legislativo da Capital para lembrar a passagem dos 130 anos de nascimento de Vargas, ocorrido no dia 19 de abril de 1882.
Autor do livro Vargas, o capitalismo em construção, o professor destacou os principais aspectos relevantes sobre o período Vargas e a marca que ele deixou para a história brasileira. De acordo com Fonseca, não raro se ouve dizer que Getúlio Vargas era um político pragmático que sabia se adaptar a variadas circunstâncias. "Tive a oportunidade de ler todos os pronunciamentos de Vargas, durante a minha pesquisa, e, acompanhando a sua trajetória, notei o contrário: Vargas sempre teve coerência de pensamento ao longo da vida e foi muito firme ideologicamente", disse o professor.
Essa coerência pode ser constatada, por exemplo, diz o pesquisador, quando em 1906, o ainda estudante Getúlio Vargas lê um manifesto ao então presidente Afonso Pena defendendo a industrialização do Brasil. "Triste o país que tem de comprar do exterior as suas próprias matérias-primas", dizia o manifesto, num período em que a cafeicultura respondia por 80% das exportações brasileiras. "Durante a sua trajetória, Vargas mantém esse ponto de vista e o atualiza", observa Fonseca. "Getúlio tinha um projeto difícil de ser implementado no Brasil, que era uma nação agrária, pois mexia com enormes interesses.", opina. "Havia sempre a comparação com a Argentina, país agrário que tinha ótima distribuição de renda, além de PIB (Produto Interno Bruto) e educação melhores que o Brasil."
Marca
Outra marca de Getúlio Vargas, explica Pedro Dutra Fonseca, foi o fato de sempre ter sido governista. "Vargas nunca foi oposição, sempre coincidiu sua política com a de Estado." Influenciado desde cedo pelo positivismo, Getúlio assumiu a presidência do Rio Grande do Sul (cargo correspondente ao de governador atualmente) em 1928, quando o estado se voltava para o mercado nacional e crescia como celeiro do Brasil. "Nesta fase, Vargas passa a defender ideias diferentes do positivismo tradicional. Ele cria o Banrisul e não conclui mandato no Estado para se tornar presidente da República, quando vai se desapegando gradativamente do positivismo."
De acordo com Pedro Dutra Fonseca, Getúlio Vargas vive seu momento autoritário ao se distanciar do positivismo. "Era a época em que o facismo ganhava força, e Vargas entra na fase do projeto de desenvolvimento autoritário. Os regimes autoritários estavam despontando, enquanto países liberais estavam em crise profunda decorrente da depressão econômica de 1929."
Como presidente da República, Getúlio promove uma reforma educacional visando à profissionalização e à formação de professores. Em novembro de 1930, ele cria o Ministério do Trabalho, fase em que começa uma aproximação de Vargas com trabalhadores e sindicatos. Getúlio cria leis para organizar o movimento sindical, mas também cria legislação que garante direitos trabalhistas como férias e aposentadoria, contra a vontade de grande parte do empresariado, que se manifestam contrariamente à nova legislação alegando incentivo ao ócio. "O salário mínimo era uma promessa de campanha de Vargas em 1930, mas ele só foi entrar em vigência em 1941, pois havia muita resistência à ideia."
Guerra
Num cenário político brasileiro dividido pelas ideias comunistas e integralistas, em 1938, Getúlio Vargas declara o rompimento do Brasil com o nazismo ainda antes do início da Segunda Guerra Mundial. "Ao final da guerra, em 1943, surge o trabalhismo no Brasil, quando vai se firmar a democratização do país. Vargas se prepara para a nova vida do país, quando nascem o PSD e o PTB. O trabalhismo brasileiro tem origem no positivismo e influência cristã. Naquele momento, a Igreja se dividia entre alas mais à esquerda e mais conservadora. O trabalhismo brasileiro também recebe influências das ideias socialistas e do movimento de trabalhadores europeus. Vargas defendia a industrialização do país e tinha característica mais nacionalista, enquanto Alberto Pasqualini, outro líder trabalhista, era mais liberal."
De acordo com Pedro Dutra Fonseca, apesar de todas as mudanças ocorridas na era Vargas, a convicção de Getúlio sobre a necessidade de industrialização do país, ao longo de sua vida pública, não ficou apenas no discurso retórico. "Hoje o Brasil é a sétima economia do mundo, enquanto a Argentina é a 30ª. Não foi em vão o seu projeto de industrialização. Vargas nunca foi liberal, sempre acreditou que o Estado precisa ter mão interventora no processo, pois o mercado sozinho não resolveria problemas, era preciso decisão política. Ele acreditava na máxima de que a política é que comanda a economia, e não na ideia de que a economia de mercado é que comanda a política. Ao final de seu mandato, seu discurso tem viés mais à esquerda e começa a falar em imperialismo."
Dutra Fonseca ressaltou ainda que, atualmente, o conceito de populismo vem sendo muito questionado pelos estudiosos da área, havendo muitas críticas ao uso do termo para rotular ideias opostas ao liberalismo de mercado. "Hoje se critica essa posição, considerada um rótulo vazio. O que se sabe é que as pessoas, na era Vargas, eram extremamente bem informadas, e havia enorme liberdade de imprensa no período Vargas. Não é verdadeira a ideia de que as pessoas eram despolitizadas e comandadas por um líder populista como uma massa ignorante."
Presente à palestra, Manoel Antonio Vargas Filho, neto de Getúlio, agradeceu a homenagem da Câmara pelos 130 anos de nascimento de seu avô. Disse que, na exposição feita pelo professor Dutra Fonseca, o que lhe chamou a atenção foi o fato de Getúlio ter sido um governante que pensou no futuro. "Se os governantes atuais tivessem a mesma visão dele, a educação seria mais valorizada, pois ela é que garante um futuro melhor para o país. Falta ao Brasil um projeto de futuro como aquele que pensado por Getúlio", avaliou.
Palestrante
Pedro Cezar Dutra Fonseca é Bacharel e Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo - USP. Pesquisador do CNPq desde 1987. Professor Titular do Departamento de Ciências Econômicas da UFRGS, onde foi Coordenador do Pós-Graduação em Economia, Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Pró-Reitor de Pesquisa e Vice-Reitor.
Foi Coordenador da Área de Economia da CAPES. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: Desenvolvimento Econômico, Formação Econômica do Brasil no século XX e História do Pensamento Econômico. Foi contemplado com Menção Honrosa no Prêmio Haralambos Simeonidis/ANPEC (1987) e o segundo lugar no "V Prêmio BNDES de Economia" (1981).