Tariq Ali destaca o poder das mobilizações sociais
As pessoas perderam o medo da morte. Elas decidiram que preferem morrer a desistir. A reflexão, segundo o escritor, jornalista e militante paquistanês Tariq Ali, diz respeito ao ideal dos integrantes das revoltas da Primavera Árabe. As mobilizações denotam, em sua opinião, a consciência política e o estado de indignação das pessoas com o governo em países como Tunísia e o Egito. As afirmações foram feitas durante a 3ª edição do projeto Debates Capitais, que levou mais de cem pessoas ao Plenário Otávio Rocha da Câmara Municipal de Porto Alegre na noite desta quarta-feira (16/11).
O evento foi pautado pelo tema De 1968 aos indignados de 2011 e contou com a coordenação da presidente da Câmara Municipal, vereadora Sofia Cavedon (PT). Compuseram a mesa os vereadores Fernanda Melchionna (PSOL) e Pedro Ruas (PSOL) e o professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luiz Miranda. O encontro é uma parceria do Legislativo com a Câmara Rio-Grandense do Livro e a 57ª Feira do Livro.
Ali salientou as mobilizações que eclodiram no mundo ocidental entre 1968 e 1975, como as greves estudantis e das classes trabalhadoras na França, e que retiraram do poder ditaduras militares que governavam países como Espanha e Portugal. É muito importante para a Europa lembrar de qualquer movimento que se livre de uma ditadura, destacou.
Em comparação aos movimentos atuais, o paquistanês avalia que a Primavera Árabe é uma reação em cadeia que os países do ocidente, apesar de se inclinarem à tentativa de impedir os levantes ou até mesmo subestimar seu alcance (como fizeram os Estados Unidos), não puderam conter. Segundo Ali, os manifestantes perderam o medo à morte, e isso permitiu que eles tivessem maior clareza política e se indignassem contra o governo. Eles têm poucas ideias de como mudar a forma de governo, mas, se não há oposição vinda de baixo, os políticos vão continuar a fazer o que eles fazem. Talvez nós tenhamos uma alternativa agora, especulou o paquistanês. Ele reconhece, no entanto, que se trata de um longo percurso, e não de algo que se complete em poucos anos. História é um processo muito original. Pode-se levar muito tempo para mudar a realidade. Nós vivemos em um mundo em transição, frisou.
O escritor ainda ressaltou que o descontentamento não é um sentimento exclusivo das nações árabes. Mais de 60% das pessoas não estão contentes com a forma com que seus países são governados. Porém, elas não conseguem encontrar uma maneira de mudar essa realidade, lamentou. Ali criticou a alta incidência de corrupção, mesmo em países democráticos, e ressaltou a necessidade de recuperar o conceito real de política e os direitos sociais em escala global, por meio de medidas como restrição à propriedade de terra, forte regulação do sistema financeiro, pesadas taxas sobre transações financeiras e propriedade estatal de todas as instituições responsáveis por bens essenciais à vida, como saúde e educação. A menos que essas necessidades sejam satisfeitas, haverá crise na sociedade, afirmou.
Capitalismo e democracia
Ali repreendeu a conduta de países capitalistas frente à crise. As pessoas não estão aprendendo nada com a crise. Apesar da situação, ainda se fala em privatizações, exemplificou. As condições de trabalho em países como China e Índia, potências econômicas do cenário atual, são comparáveis às do século XIX, segundo o paquistanês. As contradições do sistema também são um forte indício do colapso do capitalismo, evidenciadas no alto nível de desemprego. Além disso, ele analisa o aumento descontrolado do volume de produção e do número de indústrias como motivação para que políticos e o próprio povo enfatizem o dinheiro em detrimento de outras questões, como os direitos sociais, a ecologia e a degradação do planeta.
O paquistanês ainda provocou a plateia ao afirmar que a democracia, atualmente, está sob ataque e perdendo significado. Para o escritor, o momento é de fortalecer a democracia, não fragilizá-la. Por isso, Ali avalia que é necessário fomentar o ativismo duradouro e enraizado em suas ideologias. As pessoas se cansam e simplesmente mudam de lado, vão para a direita, desistem de lutar. Passam a não acreditar em seus antigos ideais, como se eles fossem estúpidos, criticou. A essas pessoas, Ali enviou um recado: Se você desiste, responde por toda uma geração.
Sobre o escritor
Tariq Ali (Lahore, 21 de outubro de 1943) é um ativista paquistanês, escreve periodicamente para o jornal britânico The Guardian e para a revista New Left Review. Nasceu e criou-se em Lahore (então parte da Índia colonial), atual Paquistão, no seio de uma família comunista. Enquanto estudava na Universidade do Punjab, devido aos seus contatos com movimentos estudantis radicais e temendo por sua segurança, seus pais o enviaram à Inglaterra. Estudou Ciências Políticas e Filosofia em Oxford. Foi o primeiro paquistanês a ser eleito presidente do diretório central dos estudantes da universidade inglesa. Sua notoriedade teve início durante a Guerra do Vietnã, quando manteve debates com personagens centrais, tais como Henry Kissinger. Tornou-se um crítico ferrenho das políticas externas dos Estados Unidos e Israel. Além disso, Ali esteve presente em inúmeras lutas de diversos países, desde maio de 1968 até as lutas recentes.
Marta Resing (reg. prof. 5405)
Assessoria de Imprensa da Presidência